terça-feira, 16 de junho de 2009

O Senhor dos Anéis

Artigo retirado da Revista vocês/a di dia 16 de junho de 2009.
Resumidamente eu o classifico como Perfeito, quando a assência supera o dinheiro.

Nélio Bilate trocou a vida de executivo na Nissan por uma carreira mais tranquila. Hoje, ganha 40% menos, mas reencontrou a felicidade. Aprenda com ele como fazer uma transição bem-sucedida

Por RENATA AVEDIANI

Raul Junior

Nélio Bilate, da Brands: dois anos preparando a saída do mundo corporativo

Durante 22 anos, o carioca Nélio Bilate, de 46, fez carreira em empresas como Coca-Cola, Garoto, Renault e Nissan. Chegou ao posto de diretor de marketing em uma multinacional. Em 2007, depois de dois anos de preparação, largou a vida corporativa e assumiu o comando da Brands, uma holding da área de comunicação digital. “Troquei os benefícios e o status de executivo, e ganho 40% menos. Mas estou muito feliz”, diz. O segredo? Autoconhecimento, transparência, tranquilidade. “Planejei muito essa mudança.” A seguir, Nélio conta como conseguiu fazer sua transição sem traumas.

A TRANSIÇÃO

“Deixei o cargo de diretor de marketing da Nissan em setembro de 2007, depois de seis anos na montadora. Minha despedida do mundo corporativo, ao contrário do que ocorre com muitos executivos, não teve sofrimento. Isso foi possível porque negociei bem com a empresa, além de ter preparado a mim e a minha família por dois anos. Uma preocupação pouco comum entre os executivos. Romper de uma hora para outra pode causar angústia, uma vez que é difícil abrir mão dos benefícios e do status que a função executiva proporciona.”

O PRIMEIRO CHOQUE

“Quando me formei em marketing, em 1982, não sonhava virar executivo. Achava que trabalharia em agências de publicidade, seria descolado e continuaria a tocar piano, meu hobby desde os 5 anos. Virei executivo ao assumir uma gerência de marketing da Garoto, em São Paulo, em 1992. Era casado e tinha dois filhos, mas deixei a família morando no Rio, para onde eu voltava nos fins de semana. Nessa época, vendi meu piano, por falta de espaço. Minha primeira Páscoa na Garoto, uma fabricante de chocolates, foi marcante. Fiquei 20 dias fora de casa e, quando voltei, meu filho caçula olhava para mim como se eu fosse um estranho. Foi um choque. Encontrei uma vaga na Coca-Cola e decidi voltar para o Rio. Foi a última decisão que tomei pela minha família até meu pedido de demissão na Nissan, em 2007.”

CRESCIMENTO COM SACRIFÍCIOS

“Nos anos seguintes, tive conquistas profissionais importantes, mas continuava dedicando pouco tempo à família. Em 1999, recebi a ligação da Renault. A empresa estava chegando ao Brasil e queria um brasileiro sem experiência no setor automobilístico para cuidar do marketing de relacionamento com

o cliente. Achei o desafio interessante e me mudei com a família para Curitiba, no Paraná. Em 2001, foi anunciada a primeira fábrica Renault-Nissan no país, fruto da fusão das montadoras. Alguns profissionais foram deslocados para a nova empresa, inclusive eu, que em dezembro daquele ano passei a responder pela diretoria de marketing, venda e pós-venda da Nissan, que foi, sem dúvida, o maior desafio da minha carreira.”

O INÍCIO DA MUDANÇA

“Minha vida começou a mudar em dezembro de 2002. Me separei, principalmente por causa do meu ritmo de trabalho — naquele ano, só para o Japão fiz dez viagens. Nossos filhos ficaram comigo, o que me obrigou a rever toda a minha rotina para incluir a gestão do lar. Contratei uma governanta, passei a chegar mais cedo em casa e a frequentar as reuniões de escola. Um ano depois, comecei a namorar minha atual esposa, que me ajudou muito na transição. Em cada data comemorativa, ela me dava anéis que simbolizavam alegria, equilíbrio e tranquilidade. Em 2005, ela me presenteou com um piano. Foi um reencontro com a minha essência, deixada de lado devido à correria no trabalho. Naquele momento percebi que o mundo corporativo já não me completava mais. Apesar de decidido, não me sentia preparado a largar a remuneração alta, as viagens ao exterior, os carros, o status e o sobrenome que a empresa me dava. Este é um momento de muitas perdas juntas e é preciso entender e estar seguro de que haverá compensações.”

A ESTRATÉGIA DE TRANSIÇÃO

“Passei a negociar uma movimentação de área ou de país, na tentativa de reencontrar a satisfação no trabalho. As mudanças não vieram, mas hoje vejo que nada seria diferente, caso tivessem ocorrido. Achar que outro cargo ou país reverterá a situação é mais um erro comum. Apesar disso, eu não deixei de lado minhas obrigações, ganhei mais duas áreas, a diretoria de planejamento de produto e a área Mercosul, mas passei a valorizar outras coisas. Nas reuniões, por exemplo, além de discutir dados e informações, passei a observar como as pessoas se comportavam. Foi preciso também negociar a mudança em casa, já que a transição afetaria a todos. Recebi apoio dos filhos e da minha mulher. Uma tarefa não muito fácil, no entanto, é fazer com que os amigos e os parentes entendam suas motivações. Tive que explicar milhões de vezes minhas razões e lidar com muita cobrança. Nessas horas é importante estar bem resolvido. Caso contrário, você pode entrar em crise com a pressão. Enquanto isso, fui desenferrujando os dedos no piano e colocando cada vez mais anéis neles.”

O MOMENTO DE SAIR

“Em março de 2007, pedi demissão da Nissan. Fiquei ainda mais seis meses para treinar pessoas e finalizar projetos. É importante não deixar a empresa na mão. Saí sem ideia do que faria. Planejava abrir um negócio ou trabalhar em uma empresa em que o lucro, a hierarquia e as avaliações de performance não fossem as coisas mais importantes. Fui viajar para a França por 20 dias. É imprescindível descansar depois de tanto desgaste, e uma viagem ajuda e deve ser incluída na programação. É preciso também se preparar financeiramente.”

O RECOMEÇO

“Quando voltei, minha família e eu resolvemos mudar para São Paulo. Em paralelo, fui conversar com uma fornecedora da Nissan que havia me convidado para um novo projeto. A proposta era desenvolver uma holding de comunicação digital, para trabalhar com jovens e criar um modelo e uma filosofia novos. Adorei a ideia e em setembro do ano passado surgiu a Brands, da qual sou o presidente. Apesar de ganhar 40% a menos, estou muito feliz. Aprendi a dizer ‘sim’ e ‘não’ sem culpa, uma companhia habitual dos executivos. Fiquei com apenas três dos 25 ternos de grife, dois dos 15 pares de sapato e dez das 60 gravatas que tinha no armário. Em compensação, tomo café da manhã com calma, faço academia, levo meu filho à escola (o melhor momento do meu dia), uso jeans, tênis e, claro, meus anéis. O piano? Vai para onde eu for. Nunca mais deixo minha essência de lado por nada.”